Esse período nos proporcionou um olhar para dentro de nossas entranhas. Tivemos que tornar verdadeiro tudo aquilo que professávamos.
Por Márcio Mariano Moreira
Com o advento da pandemia fomos levados a viver de uma forma que até então não tínhamos experimentado. De repente, tivemos que restringir nossa circulação e ficar em casa. Consequentemente, reinventamos nosso modo de ser, viver e conviver. Fomos forçados a aprender novas formas de comunicação. O mesmo aconteceu também em nosso agir missionário.
Missão, numa visão superficial, cabia àquelas pessoas de “boa vontade”, via de regra religiosos e religiosas, que iam para África ajudar os necessitados. Missão não é somente ad gentes, ad intra, ad extra e até o intra gentes, conforme abordado no último encontro continental. Em conversa com a Irmã Maria Costa/MC, ficou claro que “missão é sair de si para fazer a vontade de Deus!” Neste sentido, somos missionários por excelência. O uso da máscara tapou nossas bocas para ouvirmos mais a Deus e aguçar nosso olhar. Mas olhar o quê?
Olhar missionário para si
A pandemia nos proporcionou um olhar para dentro de nossas entranhas. Tivemos que tornar verdadeiro tudo aquilo que professávamos. Buscamos a vida eterna, mas, quando ela se mostra possível, ficamos com medo da morte, que é o único caminho para se chegar a uma vida com Deus. Confrontamo-nos com nossa fraqueza emocional, chegando até no desenvolvimento de um quadro depressivo e/ou de ansiedade. Deparamo-nos com nossa fraqueza diante de um vírus invisível, o qual quebrou toda nossa onipotência e narcisismo, mesmo com todo dinheiro e tecnologia, como afirmou Raniero Cantalamessa na última Sexta-Feira da Paixão. Colocar-nos nas mãos de Deus sempre foi nosso derradeiro refúgio. A pandemia nos provou nessa verdade inexorável. Por Cristo, com Cristo e em Cristo sempre foi uma verdade absoluta, à qual pouca importância foi dada por muitos de nós durante nossas “participações” nas celebrações eucarísticas. A máscara trouxe mais igualdade entre todos, contudo ainda longe de nossa igualdade perante Deus, como o tratamento aos operários pelo dono da vinha (Mt 20, 1-16a).
Olhar missionário ao próximo
Passamos a conviver mais com os de dentro de casa. A casa voltou a ser lugar de convivência e não apenas dormitório. Em razão disto, conviver mais com as manias, hábitos e implicâncias encobertas pela agitação do dia a dia fora de casa. Fomos desafiados a ser missionários dentro da própria casa, saindo do EU – TU para construir o NÓS.
Olhar missionário aos que estão de fora
Com a reclusão social, os moradores de rua ficaram sem ter para quem pedir e não podemos deixar de olhar para esta situação. O mesmo se aplica, por exemplo, para doações destinadas aos Vicentinos e instituições assistenciais. Nosso olhar necessita ser dirigido à promoção da vida com ações concretas, principalmente daqueles que se encontram abaixo da linha de pobreza. "Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro” (Fl 2, 3-4). A exemplo disto, a comunidade de Leigos Missionários da Consolata (LMC), de Jandira/SP, confeccionou e distribuiu gratuitamente máscaras em postos de saúde e também para igrejas de outras denominações. Não podemos ficar como os discípulos de Emaús, que caminharam cerca de 11 Km ao lado de Jesus e não o reconheceram. Precisamos olhar e perceber Jesus nos que estão de fora (Lc 21, 13-35).
Olhar missionário para o mundo
Ser missionário é também rezar, com outras comunidades de LMC, pelas situações que envolvem a pandemia pelo mundo, conforme Papa Francisco nos motivou em maio deste ano; por todas as vítimas fatais do vírus e suas famílias enlutadas; por aqueles que foram curados, mas ainda sofrem com as comorbidades; pelos profissionais da área da saúde, direta ou indiretamente envolvidos no atendimento de COVID-19; pelos profissionais que não pararam de trabalhar, como motoristas, funcionários de supermercados, postos de gasolina e, principalmente, os que atuam com delivery, coleta de lixo e os agentes funerários.
Espelhando-nos em José Allamano, como no livro Fragmentos de um Retrato, que tenhamos, diante desta pandemia, um olhar penetrante que consiga romper a barreira da superfície para ir ao profundo dos fatos, adentrando nos mistérios de Deus e da pessoa humana. Que nos seja desenvolvido um olhar intuitivo, o qual nos proporcione ir além da superfície dos acontecimentos. Que uma simples máscara não nos impeça de ter um rosto sorridente como o do Fundador: “Deu-me um daqueles doces sorrisos que me consolavam e impulsionavam a ser melhor. Assim se expressava o Bispo de Mondovi, Mons. João Batista Ressia, referindo-se ao Allamano” (p.4).